Essa noite
"O homem só é poeta porque se vê cercado de figuras que vivem e atuam diante dele e em cujo ser mais íntimo seu olhar penetra" (Nietzsche)
domingo, 19 de dezembro de 2010
Paulo Leminski
Essa noite
quarta-feira, 8 de dezembro de 2010
Jim Morrison
Estou farto de dúvidas
De viver à luz de um certo sul
Laços cruéis
Os servos têm o poder
Homens ignóbeis e as suas mulheres vulgares
Puxam cobertores vulgares sob
Os nossos marinheiros
Que me olham das torres televisivas
Quero rosas nos canteiros
do meu jardim, compreendido?
Bebês reais e rubis
Devem agora tomar o posto
Dos estranhos abortos na lama
Estes mutantes, pasto de sangue
Para a planta semeada
ao jardim separado
Sabes o quão pálida e excitantemente indesejada
vem a morte numa hora estranha,
sem anunciar, imprevista
Como um hóspede inimigo que levamos
para a cama
A morte faz anjos de todos nós
e dá-nos asas
Onde tínhamos ombros macios
como as garras
dos corvos
Este outro reino é de longe melhor
Até que a sua outra face mostre incesto
E a cega obediência e uma lei vegetal
Prefiro uma festa de amigos
À grande família
quinta-feira, 2 de dezembro de 2010
Arthur Rimbaud
Que venha, que venha
quarta-feira, 1 de dezembro de 2010
Poesia e Psicanálise
O anjo Damiel, em "Asas do Desejo" de Wim Wenders, torna-se humano por amor a um mulher. No final do filme, ele escreve: "Eu sei (...) agora (...) o que (...) nenhum anjo (...) sabe." O que Damiel sabe, segundo Betty Fuks (2), é que a condição de mortal faz o sujeito buscar a imortalidade no desejo. Por sua vez, a trapezista Marion conquistou a angelitude ao perceber que a vida e os objetos que nela desfilam são apenas transitórios, mas nem por isso menos belos.
Stuart Schneiderman(3) diz que imortal significa simplesmente não mortal, e não mortal nem sempre quer dizer vivo para sempre ou eternamente. Não mortal é também uma característica dos mortos. "Só os vivos são mortais. A busca da imortalidade, que em geral interpretamos como uma busca da vida eterna, um desejo de negar a morte, é apenas outro nome para o desejo de morte."
Desejo de vida. Desejo de morte. Desejo súbito de fazer uma poesia. Tão necessária. Uma que leve embora essa angústia, o solúço engasgado. Uma que traga de volta o sonho. Poesia é tentativa de realização de desejos. Difusos, confusos mesmo, os sentimentos só serão entendidos pelo autor depois. Depois de dar à luz sua poesia.
Ser falante pode ser praga, mas ser escrevente é bênção. É um dos possíveis destinos da pulsão. De vida? De morte? O poeta não vive tais dicotomios.
Escrever poesia é lidar com o mistério sem o compromisso, alías impossível, de explicá-lo.
Se queremos explicar o mistério, somos cientistas. Se o respeitamos, mesmo privando da sua intimidade, somos poetas e dizemos coisas que não sabíamos saber. Fernando Pessoa(4) pergunta: "Tens como Hamlet, o pavor do desconhecido? Mas o que é conhecido? Oque é que tu conheces, para que chames desconhecido a qualquer coisa em especial?"
O mistério, o inusitado, o imprevisível convivem com a poesia. Também na psicanálise. Entre uma linha e outra, nos pedaços em que não se escreve nada, aí ele surge. O poeta e o inconsciente falam por enigmas.
Lacan(5) diz que em toda forma de sublimação o vazio será determinante e que toda arte se caracteriza por um certo modo de organização em torno desse vazio. Sublinha a importância da linguagem por lidar com o significante que é "aquilo que, na ordem das artes, confere sua primazia à poesia."
Ganhamos a dúvida (quem somos? para que somos? somos?, a possibilidade de morrer ( o que será então de mim?), e o desejo de fazer de conta que somos ainda animais naturais e que nossos desejos podem ser satisfeitos. Assim como as necessidades dos animais. Pura ilusão. O desejo do homem é insaciável. A completude tão almejada é impossível. Isto porque o desejo é definido pelo vazio. Um desejo aponta sempre para outro desejo e assim prosseguimos na crença insana de que existe um ou vários objetos adequados que podem ser encontrados no mercado da vida. A ilusão do encontro, chamamos de felicidade. Essa eternidade que logo termina.
Segundo Lacan, o inconsciente é da ordem do não realizado e é estruturado como uma linguagem. Ambos são regidos pela ordem simbólica. os símbolos são criados a partir da ausência da coisa. Falamos e cantamos as ausências, o perdido e o nunca encontrado. Do fort-da do netinho de Freud até Fernando Pessoa:
"E falta sempre uma coisa, um copo, uma brisa, uma frase. E a vida dói quanto mais se goza e quanto mais de inventa."
O ato poético lida com o impossível porque revela algo do Real, que é da ordem do impossível. Mas o poeta insiste, insiste em simbolizar o Real e seus infinitos desdobramentos. Insiste no desejo, ou nele o desejo insiste, de fazer outra poesia. Uma que diga melhor o que se quer dizer e não consegue.
"Gastei uma hora pensando um verso/ que a pena não quer escrever/ No entanto ele está cá dentro/ inquieto, vivo./ Ele está cá dentro/ e não quer sair./ Mas a poesia deste momento/ inunda minha vida inteira." (Carlos Drummond de Andrade).
O conteúdo latente do poema, como o do sonho, também é mais rico que o manifesto. O poeta aspira ao poema perfeito porque a vida não é perfeita nem completa e ele se sente completo ao escrever. Mas o poeta escreve sem saber por quê.
"Eu canto porque o instante existe/ e a minha vida está completa./ Não sou alegre nem sou triste: Sou poeta." (Cecília Meireles).
O sentimento poético que vive em todos nós não pode ser transposto para o papel ou para a voz sem perda de substância. Algo se perde na transposição, como o objeto a. Acontece que poesia se faz com palavras. As idéias e afetos servem como substrato. Há que transpirar o inefável e isto exige suor. Não é só derramar uns tantos sentimentos no papel, achar bonito e atravessar melhor a noite. Para a associação de idéias (livre como nenhuma fala de analisando) tornar-se arte, deverá ser trabalhada. Idéias e afetos são areia e água, argamassa da construção construída "só depois". Então você acorda e vai ler o lindo poema da vérspera. Acha um horror. Fuma dois cigarros em seguida, toma algumas providências caseiro-burocráticas e vai dar mais uma espiada no papel. Lê agora como se fosse de outro e de fato o inconsciente é o discurso do Outro. Resolve que pode melhorar o texto e aí começa a carpintaria.
É um trabalho letra a letra, palavra a palavra, linha a linha. Pouco sobra, quando sobra. Michelangelo divide as artes em "artes de pôr", como a pintura, e "artes de tirar", como a escultura. Na poesia ocorrem esses dois movimentos. Para que, além de terapêutica, seja uma boa poesia, é necessário primeiro estender os sentimentos livremente no papel e só depois fazer o corte de palavras. Isto confere intensidade ao texto e arruma seu coração.
A incompletude, o vazio, a angústia, a morte são muito falados na poesia. O comum dos mortais sofre das mesmas perplexidades dos poetas. Assim sou eu. Assim é você. Monte de linhas embaraçadas, monte de palavras angasgadas, monte de todas as coisas vividas e morridas. No mar dos sentimentos, o poeta pesca suas palavras. O céu é do condor e a poesia, assim como a praça, é de todos.
Recomendo fazer poesia, ou tentar. Cantar os seus exílios: paraíso perdido, mãe, pai, marido que foi embora, cidade natal, infância. Cantar até sentir que não está exilado nem sozinho. Somos parte de tudo e tudo parte de nós. Nada passou. Nada se passou a não ser um arrepio. De vida, de morte. Sossega, criança. Você morreu tantas vezes que já deveria estar acostumada.
"A morte é a curva da estrada, / Morrer é só não ser visto." - (Fernando Pessoa)
O poeta russo Sierguéi Iessiénin suicidou-se num quarto do Hotel Inglaterra, em Leningrado. Antes de morrer escreveu, com o próprio sangue, a última poesia. Seu amigo Maiakoviski, que escolheu continuar vivo mesmo sabendo que "Nesta vida morrer não é difícil / O difícil é a vida e o seu ofício", declarou no poema dedicado ao jovem Iessiénin: "Talvez, se houvesse tinta no Inglaterra / Você não cortaria os pulsos." Escrever poesia pode salvar a sua vida. Pelo mesnos de ser aborrecida, pouco vivida, distraída. Ajuda a conviver com o espanto de estar vivo desconfiando que vai morrer. Também salva a vida dos seus mortos, imortalizando-os. Ou enterrando no papel o que tem de ser enterrado. O luto não precisa ser patológico.
segunda-feira, 29 de novembro de 2010
Allen Ginsberg - "Canção"
o peso
até tornar-se
quinta-feira, 25 de novembro de 2010
Ode ao lago de Furnas
Este lago é mais que um lago.
É uma calma azul que zarpa
junto ao vento.
Um silêncio sereno que vem
sondar-me os pés.
Devaneio que submerge
pensamentos.
Este lago é mais que um lago.
É um céu aquático que
me faz sentir entre
as nuvens.
Um fluir que me deixa
alhures.
Um profundo abraço
de amor
que mantém
meus olhos
solúveis,
mortos e
fechados.
quinta-feira, 18 de novembro de 2010
Federico García Lorca
Quero dormir o sono das maçãs
Eu quero dormir o sono daquele menino
quarta-feira, 6 de outubro de 2010
Dylan Thomas
Em meu ofício ou arte taciturna
Dylan Thomas (1914-1955), "Poemas Reunidos", trad. de Ivan Junqueira
sexta-feira, 17 de setembro de 2010
Henry Miller
segunda-feira, 13 de setembro de 2010
domingo, 29 de agosto de 2010
A Pé
A PÉ
andando pela rua Barão de Piumhi
vi as neblinas moverem
seus arcabouços de mármore
sob a lucidez dos
postes
automóveis raramente rompiam
o relento
dormente no asfalto
no alto
a lua era um submarino amarelo
entre um cardume de estrelas
os prédios recomeçavam a cirandagem
mas na margem
a calçada era um convite
à solidão e
à incerteza
no entanto meus passos sondavam
sentindo o sabor insone
da voragem
o silêncio sussurrava o seu veneno
qualquer caminho me levaria
de volta para casa
Gabriel Nogueira Ferreira
sábado, 21 de agosto de 2010
Michael McClure
Michael McClure
O leão rebelde da poesia norte-americana
por Rodrigo Garcia Lopes
Uma das principais figuras do movimento Beat — fenômeno literário e contracultural que agitou o cenário norte-americano nos anos 50 e 60 mas que continua em alta por lá — o poeta, dramaturgo e ensaísta Michael McClure, cuja obra permanece inédita no Brasil, é tido por críticos importantes como o mais respeitável porta-voz de sua geração.
Seja através de peças polêmicas como The Beard, ou em performances e poemas que celebravam a natureza e novas formas de percepção, a liberdade sexual e a expansão da consciência, seja atacando a farsa do "sonho americano" e as convenções da poesia "poeticamente correta" da época, ele foi uma espécie de catalizador e agitador cultural do ambiente da chamada Renascença Cultural de San Francisco, servindo de ponte entre músicos, poetas e pintores. Como disse o ator Dennis Hopper, "sem a presença de McClure, o rugir dos anos 60 teria sido um miado". Recuperando uma tradição libertária da poesia norte-americana, (Whitman, Thoreau), mas atento às experimentações e incorporando a filosofia e a cultura pop em sua poesia, McClure e seus parceiros conseguiram reacender nos jovens da época o interesse pela poesia e pela ação, influenciando comportamentos e preparando o terreno para os turbulentos e loucos anos 60.
Segundo a lenda, McClure serviu de inspiração para seu amigo de noitadas Jim Morrison, que via no poeta mais velho um modelo para a sua interferência como poeta pop-xamânico, tendo McClure apresentado o vocalista do Doors à obra de Blake e Artaud. McClure também excursionou com Bob Dylan, montou uma banda de rock com um "Hell Angels" e deixou sua marca na música pop como o autor de um dos maiores sucessos de Janis Joplin, "Mercedes Benz".
Ainda hoje você é visto como um poeta "beat"? Como isso aconteceu?
Michael McClure — Minha estréia como poeta se deu na primeira vez que os beats se reuniram aqui em San Francisco para uma leitura na Six Gallery, em 1955. Allen Ginsberg estava lá, foi quando ele leu Uivo pela primeira vez. Gary Snyder, Phillip Whalen e eu lemos nossos poemas. O poeta Kenneth Rexroth era o mestre de cerimônias. Foi a primeira vez que encontrei Kerouac, mas ele não leu. Pra mim é difícil definir a palavra "beat" porque ela carrega várias noções que são diferentes para cada um. Para alguns, como a mídia, os beats geralmente eram associados com uns caras desarrumados e malucos, de sandália e tocando bongô. Para nós, a palavra estava associada a um interesse comum pela natureza, pela ecologia, pela exploração da mente, por um aprofundamento da experiência, o que é uma tradição antiga, se você lembrar de um Thoreau. Por outro lado, o jazz, o blues e o bebop nos deram a certeza de que a poesia também tinha que se manifestar através da música, da pulsação. Houve um aguçamento da importância da cultura negra. A maioria das letras de música, nessa época, eram muito pobres. Acho que a poesia beat foi importante também por essa vontade de falar de outras coisas, de se manifestar em relação à liberdade individual, ou contra a guerra, contra a pobreza espiritual. Vários músicos, como o próprio Jim Morrison, Bob Dylan e os Beatles, olharam para nossa poesia para dar um sentido e uma profundidade maior às suas letras. Eles perceberam que não tinham que escrever música de chiclete ou de desilusão amorosa, que podiam escrever sobre o que estava realmente acontecendo.
Quais eram suas referências literárias quando você começou a escrever?
McClure — Comecei a escrever influenciado pelo verso livre, pelo imagismo de Williams, por Pound, e.e.cummings. Mas antes eu havia experimentado muito com formas tradicionais como a balada e o soneto. A certa altura, que percebi que tanto o verso livre quanto o tradicional estava restringindo minha liberdade criativa. Eu acreditava que a consciência poética era mais física, fisiológica, atlética. Que ela se movia, dançava. Então percebi que essa consciência era parte do corpo fisiológico e não separada do resto da natureza.
A poesia que você faz já foi várias vezes chamadas de "poesia-ação", com referência à "pintura-ação", de Jackson Pollock. Você também vê esse paralelo?
McClure — Sim, mas eu preferiria chamar de poesia gestual. Seria a manifestação de um mesmo impulso que vejo em Jack Kerouac, Thelonious Monk, Bud Powell, Charlie Parker. Todos estavam envolvidos na construção de uma autobiografia do espírito. Todos eles queriam, através de sua arte, manifestar os níveis mais profundos da imaginação, e isso é uma atitude universal.
Você sempre fala de seus poemas como se eles fossem extensões do seu corpo, mais do que um objeto isolado, com um sentido em si mesmo.
McClure — Tudo o que faço se torna uma extensão minha, e isso também ocorre no expressionismo abstrato na pintura, no jazz, ou mesmo em Artaud. Pra mim, métrica, técnica, tudo isso é algo interior que se manifesta de um modo exterior. Não é algo preconcebido e sim imediato. Sempre gostei de explorar a "fisicalidade" do pensamento, procurando uma certa qualidade atlética física e verbal e um vigor de expressão onde a poesia pudesse ser atingida. Mas essa poesia de que falo não é tão nova assim: é uma poesia da experiência, que investiga a consciência, os sentidos.
No prefácio de seu livro "Céus Jaguar" você diz que a poesia é um princípio muscular. Como é isso?
McClure — Sempre tive esse modo de encarar a poesia. Para mim, a experiência poética não é um processo puramente intelectual e sim um processo que vem do corpo, e onde o intelecto é só uma parte importante. Acho que a poesia ocidental sempre olhou mais para a mente e não tanto para o corpo. Mesmo quando sua estrutura é investigada, quase nunca essa estrutura é vista como uma extensão da fisiologia. Para mim, a poesia é um processo natural, como ocorre com os animais: é natural para um gatinho começar a procurar ratos e estocá-los, ou um filhote de águia começar a exercitar as asas ao lado do ninho, de modo que eventualmente ele aprenda a voar.
Você se opõe a uma poesia intelectual, apenas pensada mas não vivida?
McClure — Não me oponho totalmente ao intelecto. Mesmo porque, não vejo separação entre corpo e mente, e a poesia ocidental sempre se preocupou em olhar mais para a mente. Eu me sinto desconfortável com a tradição modernista européia ou mesmo a norte-americana: acho que quando a arte ou a imaginação estão dirigidos mais ao universo do discurso do que ao universo das percepções, das sensações, do sentimento, isso acaba desenvolvendo um tipo de metafísica que se afasta da experiência humana e se torna um produto, uma parte da grande máquina da educação ou da civilização. Nesses casos, a poesia pode ser um veneno, pois ela é reduzida enquanto experiência, torna-se esterelizada. Ela se torna um veneno, mais do que uma arte que conduz à uma libertação, ou ao cultivo da liberdade da imaginação, do prazer, ao aprofundamento da consciência. A poeta Diane di Prima escreveu uma vez que uma vez que "a única guerra que nos importa é a guerra contra a imaginação".
Como você vê a juventude norte-americana hoje?
McClure — Acho que há muitos jovens tentando fazer o que acham certo, mas em grande parte eles são vulneráveis, sensíveis, estão um pouco perdidos. Acho que lhes falta a capacidade intelectual de promover um programa de ações.
Você acha que a TV tem contribuído para uma espécie de lavagem cerebral?
McClure — Não sou tão radical a ponto de achar que a TV esteja fazendo uma lavagem cerebral. Acho que é até pior. O problema é que eles estão sendo tratados como computadores, e estão se transformando em seres unidimensionais, como diria Marcuse. A mídia está lhe oferecendo o software. Ela lhes dá, literalmente, uma linguagem, que é a linguagem com a qual eles pensam, com a qual eles nomeiam o mundo. Eles estão sendo treinados a obedecer impulsos. As crianças estão sendo expostas à TV cada vez mais cedo, e com isso os jovens estão aprendendo a manipular este software mas estão pensando que aquilo reflete sua vida e sua experiência interior. É um mecanismo mais sutil e funciona bem melhor que lavagem cerebral.
Que conselho você daria aos poetas jovens hoje?
McClure — Bem, a função dos poetas é tomar conta da poesia. Mas isso não é preciso. A poesia sabe tomar conta de si mesma..
sexta-feira, 13 de agosto de 2010
Paul Éluard
Participou no movimento dadaísta, foi um dos pilares do surrealismo, abrindo caminho para uma ação artística mais engajada, até filiar-se ao partido comunista francês. Tornou-se mundialmente conhecido como O Poeta da Liberdade.
É o mais lírico e considerado o mais bem dotado dos poetas surrealistas franceses.
Ela pousa em minhas pálpebras,
Tem a cor dos meus olhos,
Falar sem ter nada para dizer.
Acaricia o horizonte da noite, busca o coração de azeviche que a aurora recobre de carne. Ele te porá nos olhos pensamentos inocentes, chamas, asas e verduras que o sol ainda não inventou. Não é a noite que te falta, mas o seu poder.
ORDEM e TURBULÊNCIA DO AMOR
Para começar citarei os elementos
A tua voz os teus olhos as tuas mãos os teus lábios
Eu vivo sobre esta terra e pergunto-me
Se nela viveria se tu nela não estivesses também
Neste banho postado em face
Do mar de água doce
Neste banho que a chama
Edificou nos nossos olhos
Este banho de lágrimas jubilosas
Em que penetrei
Pela virtude das tuas mãos
Pela graça dos teus lábios
Este estado humano primordial
Como uma pradaria dos começos
Os nossos silêncios as nossas palavras
A luz que se vaiA luz que de novo volta
A aurora e o crespúsculo fazem-nos rir
No cerne do nosso corpo
Tudo se torna flor e amadurece
Sobre a palha da tua vida
Onde deito a velha carcaça
Em que me tornei por fim.
domingo, 8 de agosto de 2010
Jack Kerouac
quinta-feira, 29 de julho de 2010
Passeio Campestre
Talvez seja toda a nudez translúcida do céu azul que se vislumbra
entre nossas faces úmidas a se tocarem, flácidas,
sob a brisa diurna.
Talvez seja a frescura dos vendavais de outono
envolvendo o prado de nossos cabelos atônitos
que se emaranham junto à relva molhada
enquanto deitamos no chão,
morosamente enamorados.
Talvez sejam os saltitantes pássaros que sobressaltam os telhados
de nossos enclausurados olhares, sedimentados no tom
evasivo das nuvens.
Talvez sejam os lírios e seus perfumes
ou aquele enxame de estrelas sobrevoando à mesma altura
de nossos ombros enquanto somos apenas um pequeno ponto
a palpitar-se no pico mais alto da
montanha.
Talvez então seja você aqui do meu lado tornando os meus sentidos
mais aguçados e assim tudo fica mais bonito com os seus dedos
e os meus entrelaçados,
com os seus olhos em meu rosto acoplados,
com seus seios em meu peito ensimesmados
enquanto rolamos sorrateiramente nus
pelos jardins de nossa secreta
cidade.
segunda-feira, 26 de julho de 2010
Marc Chagall
Tive a felicidade de contemplar as obras deste maravilhoso artista durante uma exposição intitulada "O mundo mágico de Marc Chagall", realizada em Belo Horizonte-MG. Encantador! Os quadros de Marc Chagall nos proporciona uma viagem a um mundo repleto de fantasias, de mundos imaginários e seres fantásticos. Aquilo que nos é familiar, ganha dimensões inusitadas em suas pinturas. Daí sua magia. Seres e objetos adquirem novas características, novas possibilidades de existência. A realidade não importa. O que se emerge em suas obras são novas realidades. Nada é copiado. Tudo é inventado, a partir de sua pintura. Somos, então, remetidos ao caos, ao estranhamento, à perplexidade. Eis o devaneio! Portanto, segue abaixo algumas de suas obras...abraços!!!
sábado, 24 de julho de 2010
terça-feira, 20 de julho de 2010
O poeta e as palavras
“A palavra é um ser vivente, mais poderosa que aquele que a usa; nascida da escuridão, cria o sentido que quer” (Victor Hugo)
“Há na palavra algo de sagrado que nos impede de fazer dela um jogo de azar. Manejar com engenho uma língua significa exercer uma espécie de magia encantadora” (Mallarmé)
“Sempre foi privilégio da lírica deixar oscilar a palavra em seus múltiplos significados” (Hugo Friedrich)
“O poeta cede a iniciativa às palavras que são colocadas em movimento pelo embate de sua disparidade” (Mallarmé)
“O poeta está só com sua linguagem” (Hugo Friedrich)
“Artista, cria e não fales!” (G. Benn)
“Oh bocas, o homem quer uma nova linguagem, sobre a qual nenhum gramático tenha qualquer coisa a dizer” (Apollinaire)
quarta-feira, 14 de julho de 2010
William Blake
FRASES
"Se as portas da percepção estivessem limpas, tudo se mostraria ao homem tal como é, infinito".
***
"A eternidade anda enamorada dos frutos do tempo".
***
"Prisões se constroem com pedras da Lei; Bordéis, com tijolos da religião".
***
"O caminho do excesso leva ao palácio da sabedoria".
***
"Os tigres da ira são mais sábios que os cavalos da instrução".
***
"Exuberância é beleza".
***
"Uma só idéia impregna a imensidão".
***
"O rugir de leões, o uivar de lobos, o furor do mar em procela e a espada destruidora são fragmentos de eternidade, demasiado grandes para o olho humano".
***
"O Progresso constrói caminhos retos; mas caminhos tortuosos sem Progresso são caminhos de Gênio".
terça-feira, 13 de julho de 2010
segunda-feira, 12 de julho de 2010
Roland Barthes - "A morte do autor"
Então, vale a pena pessoal, conferir trechos deste belo texto de Roland Barthes intitulado “A morte do autor”, publicado em seu livro “O Rumor da Língua”. Deixemos que sua fala fale por si mesma!!!
A MORTE DO AUTOR (trechos)
“O autor reina ainda nos manuais de história literária, nas biografias de escritores, nas entrevistas dos periódicos, e na própria consciência dos literatos, ciosos por juntar, graças ao seu diário íntimo, a pessoa e a obra; a imagem da literatura que se pode encontrar na cultura corrente está tiranicamente centralizada no autor, sua pessoa, sua história, seus gostos, suas paixões; a crítica consiste ainda, o mais das vezes, em dizer que a obra de Baudelaire é o fracasso do homem Baudelaire, a de van Gogh é a loucura, a de Tchaikovski é o seu vício: a explicação da obra é sempre buscada do lado de quem a produziu, como se, através da alegoria mais ou menos transparente da ficção, fosse sempre afinal a voz de uma só e mesma pessoa, o autor, a entregar a sua ‘confidência’.
Apesar de o império do Autor ser ainda muito poderoso (a nova crítica muitas vezes não fez mais do que consolidá-lo), é sabido que há muito certos escritores vêm tentando abalá-lo. Na França, Mallarmé, sem dúvida o primeiro, viu e previu em toda a sua amplitude a necessidade de colocar a própria língua no lugar daquele que dela era até então considerado proprietário; para ele, como para nós, é a linguagem que fala, não o autor; escrever é, através de uma impessoalidade prévia — que não se deve em momento algum confundir com a objetividade castradora do romancista realista —, atingir esse ponto onde só a linguagem age, "performa", e não "eu": toda a poética de Mallarmé consiste em suprimir o autor em proveito da escritura (o que vem a ser, como se verá, devolver ao leitor o seu lugar)”. (...)
“O Surrealismo, finalmente, para não sair dessa pré-história da modernidade, não podia, sem dúvida, atribuir à linguagem um lugar soberano, na medida em que a linguagem é sistema, e aquilo que se tinha em mira nesse movimento era, romanticamente, uma subversão direta dos códigos — aliás ilusória, pois não se pode destruir um código, pode-se apenas "jogar" com ele —; mas recomendando sempre frustrar bruscamente os sentidos esperados (era a famosa ' 'sacudida'' surrealista), confiando à mão o cuidado de escrever tão depressa quanto possível aquilo que a cabeça mesmo ignora (era a escritura automática), aceitando o princípio e a experiência de uma escritura coletiva, o Surrealismo contribuiu para dessacralizar a figura do Autor”. Finalmente, fora da própria literatura (a bem dizer tais distinções se tornam superadas), a lingüística acaba de fornecer para a destruição do Autor um argumento analítico precioso, mostrando que a enunciação em seu todo é um processo vazio que funciona perfeitamente sem que seja necessário preenchê-lo com a pessoa dos interlocutores: lingüisticamente, o autor nunca é mais do que aquele que escreve, assim como "eu" outra coisa não é senão aquele que diz "eu": a linguagem conhece um "sujeito", não uma "pessoa", e esse sujeito, vazio fora da enunciação que o define, basta para "sustentar" a linguagem, isto é, para exauri-la”.
(...) “O Autor, quando se crê nele, é sempre concebido como o passado de seu livro: o livro e o autor colocam-se por si mesmos numa mesma linha, distribuída como um antes e um depois: considera-se que o Autor nutre o livro, quer dizer que existe antes dele, pensa, sofre, vive por ele; está para a sua obra na mesma relação de antecedência que um pai para com o filho. Bem ao contrário, o escritor moderno nasce ao mesmo tempo que seu texto; não é, de forma alguma, dotado de um ser que precedesse ou excedesse a sua escritura, não é em nada o sujeito de que o seu livro fosse o predicado; outro tempo não há senão o da enunciação, e todo texto é escrito eternamente aqui e agora. É que escrever não pode mais designar uma operação de registro, de verificação, de representação, de "pintura", mas sim aquilo que os lingüistas chamam de performativo, forma verbal rara (usada exclusivamente na primeira pessoa e no presente), na qual a enunciação não tem outro conteúdo (outro enunciado) que não seja o ato pelo qual ela se profere: algo como o Eu declaro dos reis ou o Eu canto dos poetas muito antigos; o escritor moderno, tendo enterrado o Autor, não pôde mais acreditar, segundo a visão patética dos seus predecessores, que tem a mão demasiado lenta para o seu pensamento ou para a sua paixão, e que, conseqüentemente, fazendo da necessidade lei, deve acentuar esse atraso e ''trabalhar" indefinidamente a sua forma; para ele, ao contrário, a mão, destacada de qualquer voz, levada por um puro gesto de inscrição (e não de expressão), traça um campo sem origem — ou que, pelo menos, outra origem não tem senão a própria língua, isto é, aquilo mesmo que continuamente questiona toda origem.
Uma vez afastado o Autor, a pretensão de "decifrar" um texto se torna totalmente inútil. Dar ao texto um Autor é impor-lhe um travão, é provê-lo de um significado último, é fechar a escritura. Essa concepção convém muito à crítica, que quer dar-se então como tarefa importante descobrir o Autor (ou as suas hipóteses: a sociedade, a história, a psique, a liberdade) sob a obra: encontrado o Autor, o texto está "explicado", o crítico venceu; não é de se admirar, portanto, que, historicamente, o reinado do Autor tenha sido também o do Crítico, nem tampouco que a crítica (mesmo a nova) esteja hoje abalada ao mesmo tempo que o Autor. Na escritura múltipla, com efeito, tudo está para ser deslindado, mas nada para ser decifrado; a estrutura pode ser seguida, ' 'desfiada" em todas as suas retomadas e em todos os seus estágios, mas não há fundo; a escritura propõe sentido sem parar, mas é para evaporá-lo: ela procede a uma isenção sistemática do sentido. Por isso mesmo, a literatura (seria melhor passar-se a dizer a escritura), recusando designar ao texto (e ao mundo como texto) um "segredo", isto é, um sentido último, libera uma atividade a que se poderia chamar contrateológica, propriamente revolucionária, pois a recusa de parar o sentido é finalmente a recusa de Deus e de suas hipóstases: a razão, a ciência, a lei”.
Maurice Blanchot - "A fala poética"
"Sob essa perspectiva, reencontramos a poesia como um potente universo de palavras cujas relações, a composição, os poderes afirmam-se, pelo som, pela figura, pela mobilidade rítmica, num espaço unificado e soberanamente autônomo. Assim, o poeta faz obra de pura linguagem e a linguagem nessa obra é retorno à sua essência. Ele cria um objeto de linguagem, tal como o pintor não reproduz com as cores o que é mas busca o ponto onde as suas cores dão o ser".
domingo, 11 de julho de 2010
Clarice Lispector
“Não entendo. Isso é tão vasto que ultrapassa qualquer entender. Entender é sempre limitado. Mas não entender pode não ter fronteiras. Sinto que sou muito mais completa quando não entendo. Não entender, do modo como falo, é um dom. Não entender, mas não como um simples de espírito. O bom é ser inteligente e não entender. É uma benção estranha, como ter loucura sem ser doida. É um desinteresse manso, é uma doçura de burrice. Só que de vez em quando vem a inquietação: quero entender um pouco. Não demais: mas pelo menos entender que não entendo”.
sábado, 10 de julho de 2010
Octavio Paz - "Poesia e respiração"
sexta-feira, 9 de julho de 2010
Murilo Mendes
A Henri Michaux
A nuvem andante acolhe o pássaro
Que saiu da estátua de pedra.
Sou aquela nuvem andante,
O pássaro e a estátua de pedra.
Recapitulei os fantasmas,
Corri de deserto em deserto,
Me expulsam da sombra do avião.
Tenho sede generosa,
Nenhuma fonte me basta.
Amigo! Irmão! Vou te levar
O trigo das terras do Egito,
Até o trigo que não tenho.
Egito! Egito! Amontoei
Para dar um dia a outrem:
A sombra fértil de Deus
Não me larga um só instante.
Levai-me o astro da febre:
Eu vos deixo minha sede,
Nada mais tenho de meu.
(de As Metamorfoses)
ESTUDO PARA UM CAOS
O último anjo derramou seu cálice no ar.
Os sonhos caem na cabeça do homem,
As crianças são expelidas do ventre materno,
As estrelas se despregam do firmamento.
Uma tocha enorme pega fogo no fogo,
A água dos rios e dos mares jorra cadáveres.
Os vulcões vomitam cometas em furor
E as mil pernas da Grande dançarina
Fazem cair sobre a terra uma chuva de lodo.
Rachou-se o teto do céu em quatro partes:
Instintivamente eu me agarro ao abismo.
Procurei meu rosto, não o achei.
Depois a treva foi ajuntada à própria treva.
(de As Metamorfoses)
A LIBERDADE
Um buquê de nuvens:
O braço duma constelação
Surge entre as rendas do céu.
O espaço transforma-se a meu gosto,
É um navio, uma ópera, uma usina,
Ou então a remota Persépolis.
Admiro a ordem da anarquia eterna,
A nobreza dos elementos
E a grande castidade da Poesia.
Dormir no mar! Dormir nas galeras antigas!
Sem o grito dos náufragos,
Sem os mortos pelos submarinos.
(de As Metamorfoses)
Dorme.
Dorme o tempo em que não podias dormir.
Dorme não só tu,
Prepara-te para dormir teu corpo e teu amor contigo.
Dorme o que não foste, o que nunca serás.
Dorme o incêndio dos atos esquecidos,
A qualidade a distância o rumo do pensamento.
O pássaro magnético volta-se,
As árvores trocam os braços,
O castelo parou de andar.
Dorme.
Que pena não poder me ver – puro – dormindo.
(de Poesia Liberdade)
ABSTRAÇÃO
O gramofone não diz que mundo me acho.
Onde ancora a âncora?
Que ligação têm os dedos com a dália que os segura?
O poema olha para mim, e, fascinado, me compõe.
A onde decretou medidas a meu respeito,
Meus braços resolvem atos
Cada um para seu lado.
Não tenho a ver comigo,
Nem me conheço:
Um estrangeiro pensa em mim fora do tempo
A idéia da máquina do meu corpo dentro do tempo.
(de Poesia Liberdade)
DESEJO
Ao sopro da transfiguração noturna
Distingo os fantasmas de homens
Em busca da liberdade perdida:
Quisera possuir cem milhões de bocas,
Quisera possuir cem milhões de braços
Para gritar por todos eles
E de repente deter a roda descomunal
Que tritura corpos e almas
Com direito ao orvalho da manhã,
À presença do amor, à música dos pássaros,
A estas singelas flores, a este pão.
(de Poesia Liberdade)
quinta-feira, 8 de julho de 2010
Roberto Piva, Cláudio Willer e Afonso Henriques Neto lendo seus poemas.
fonte do vídeo: http://www.youtube.com/watch?v=to5_jnWtIf8
Pessoal, certamente, a poesia se torna mais potente quando vociferada. Na voz do poeta, o poema se emerge deleitando nossos ouvidos com seus jogos sonoros, com suas tonalidades e seus ritmos. Sim, o poema, quando vociferado, torna-se mais vivo. Os Beatniks, entre eles, Jack Kerouac e Allen Ginsberg, souberam fazer isto muito bem. Jim Morrison, vocalista da banda de rock norte-americana The Doors, além de cantar as músicas, recitava seus poemas durante os shows. Sua poesia tinha também uma potência invocante muito rara! No Brasil, poetas influenciados pelos Beatniks, entre eles, Roberto Piva, Cláudio Willer e Afonso Henriques Neto, deram também muita ênfase à sonoridade nos seus trabalhos . Valorizam a leitura dos poemas, extrapolando-os do livro, silenciado nas estantes empoeiradas das bibliotecas...silenciado pela mídia, etc. Para estes poetas, o poema deve ser lido em voz alta. Portanto, neste vídeo temos Roberto Piva, Cláudio Willer e Afonso Henriques Neto lendo os seus poemas. Abraços!!!