segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Allen Ginsberg - "Canção"

O poeta beat Allen Ginsberg - anos 60


Canção


O peso do mundo
é o amor.
Sob o fardo
da solidão,
sob o fardo
da insatisfação

o peso
o peso que carregamos
é o amor.

Quem poderia negá-lo?
Em sonhos
nos toca
o corpo,
em pensamentos
constrói
um milagre,
na imaginação
aflige-se
até tornar-se
humano -

sai para fora do coração
ardendo de pureza -
pois o fardo da vida
é o amor,

mas nós carregamos o peso
cansados
e assim temos que descansar
nos braços do amor
finalmente
temos que descansar nos braços
do amor.

Nenhum descanso
sem amor,
nenhum sono
sem sonhos
de amor -
esteja eu louco ou frio,
obcecado por anjos
ou por máquinas,
o último desejo
é o amor

- não pode ser amargo
não pode ser negado
não pode ser contido
quando negado:

o peso é demasiado

- deve dar-se
sem nada de volta
assim como o pensamento
é dado
na solidão
em toda a excelência
do seu excesso.


Os corpos quentes
brilham juntos
na escuridão,
a mão se move
para o centro
da carne,
a pele treme
na felicidade
e a alma sobe
feliz até o olho -


sim, sim,
é isso que
eu queria,
eu sempre quis,
eu sempre quis
voltar
ao corpo
em que nasci.



Allen Ginsberg in "UIVO"

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Ode ao lago de Furnas




Este lago é mais que um lago.
É uma calma azul que zarpa
junto ao vento.
Um silêncio sereno que vem
sondar-me os pés.
Devaneio que submerge
pensamentos.

Este lago é mais que um lago.
É um céu aquático que
me faz sentir entre
as nuvens.
Um fluir que me deixa
alhures.
Um profundo abraço
de amor
que mantém
meus olhos
solúveis,

mortos e
fechados.



Gabriel Nogueira Ferreira

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Federico García Lorca





Gazel da morte sombria


Quero dormir o sono das maçãs
Afastar-me do túmulto dos cemitérios
Eu quero dormir o sono daquele menino
Que queria cortar o coração em alto mar
Não quero que me repitam que os mortos não [perdem o sangue]
Que sua boca podre continua pedindo água
Não quero saber dos martírios que a erva dá
Nem da Lua, com boca de serpente, que trabalha antes do amanhecer.
Quero dormir um instante
Um instante; um minuto; um século
Mas que todos saibam que não morri
Que há um estábulo de ouro em meus lábios;
Que sou o pequeno amigo do vento Oeste;
Que sou a imensa sombra de minhas lágrimas
Cobre-me o despontar da aurora com um véu
Para que me atire punhados de formigas
E molha com água dura os meus sapatos
Para que resvale a pinça de seu lacrau
Porque eu quero dormir o sono das maçãs
Para aprender um pranto que me limpe de terra
Porque eu quero me juntar com aquele menino escuro
Que queria cortar o coração em alto mar.