quinta-feira, 30 de junho de 2011

Afonso Henriques Neto




CÃO


não vou mais respirar
nunca mais ordenhar
para escrever um livro.
não vou às bacantes
ao verão de vidro sobre o mar
dos diamantes.
ficarei só com meu bulldog
(nunca tive um
apenas uma gargalhada)
só com minhas pulgas
minha pele de vulcões silenciosos
esta espécie de incêndio solitário
brilho agudo
animal titânico.
(o cão rosna
e quando todos adormecem
o licor do sonho adoça o nervo da noite
mantém o invisível).
agora só vou ao poema
pela paixão a ganir nas palavras
pelo gozo de chupá-las
corpo contra corpo
cuspo na realidade.
foda-se a musa
as cordilheiras de luz
coxas de outro verão.
o tempo sempre foi impaciência.
só agora que perdi os dentes
e o rugido
descubro a contragosto meu bulldog.
mesmos acordes aleatórios
músculos violentos sobre a presa
sais do amor
ácidos da fortuna
e estamos mortos, baby.
mas fodidos assim é que brilhamos.
não quero mais harmonia
para escrever o livro.
não vou escrevê-lo.




(in Ser Infinitas Palavras)








Sobre o poeta:




Nasceu em Belo Horizonte, Minas Gerais, em 1944, filho de Hymirene Papi de Guimaraens e do poeta Alphonsus de Guimaraens Filho.



Primeiros livros de poesia: O misterioso ladrão de Tenerife (um dos primeiros livros da chamada “geração marginal”, em co-autoria com Eudoro Augusto), em 1972, reeditado em 1977 pela Sette Letras, comemorativo dos 25 anos de seu lançamento. Restos & estrelas & fraturas ((1975); Ossos do paraíso (1981); Tudo nenhum (1985); Abismo de violinos 1995).

terça-feira, 28 de junho de 2011

Ousadia noturna



A neblina na rua

perdura

nos cálculos da aurora

a esquiva

da

noite

que dribla o dia



Gabriel Nogueira Ferreira in O Corpo Remoto.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Octávio Paz, uma vez mais...


"A linguagem indica, representa; o poema não explica nem representa: apresenta. Não alude à realidade; pretende - e às vezes consegue - recriá-la. Portanto, a poesia é um penetrar, um estar ou ser na realidade".


Octávio Paz in Signos em Rotação.

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Georges Bataille




"a sorte dos amantes é o mal (o desequilíbrio) a que o amor físico os obriga. são condenados, sem fim, a arruinar a harmonia entre eles, a combater na noite. pelo preço de um combate, pelas chagas que fazem um ao outro é que se unem...o amor só tem por objeto o risco, e só ele, o risco, força para amar."

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Eis o tempo

Salvador Dalí



Eis o tempo. O tempo em que a ponta do lápis simpatiza com a ponta dos olhos; quando o coração bombeia a verve e o sonho circula ralo e alegre até o halo incandescente do cérebro. Decerto, trata-se de um momento único no extraordinário segundo em que os dedos contemplam o que a imaginação sorrateiramente tece junto à insone semente da voz; chegando a vez dos ouvidos testemunhando a labareda de um alarido que se ergue em frenesi até a prece pavimentada no céu, quando o impossível desvencilha-se de seu véu vislumbrando o invisível.


by Gabriel Nogueira Ferreira

sexta-feira, 18 de março de 2011

poema sem título

Começo a sentir a fragrância do silêncio
que advém das ruas
impregnando-se
junto aos aromas
que se exalam de minhas
insones palavras.

Na estante
os livros são pássaros
alongando suas delgadas asas.

Entre as altivas nuvens
que permeiam minha mente
almeja-se
o anjo supersônico de Murilo Mendes.

Daqui de dentro
consigo ouvir a sinfonia dos grilos
ecoando
no estômago obscuro
e argiloso
da noite.

De um galho
a lua despencou e se eclodiu
no fundo de meu quintal.

Houve um grande estrondo.

Morri afogado
na luz.


Gabriel Nogueira Ferreira
Santa Helena de Minas
17-03-2011

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Nietzsche, a poesia e o poeta.


"A esfera da poesia não se encontra fora do mundo, qual fantástica impossibilidade de um cérebro de poeta: ela quer ser exatamente o oposto, a indisfarçada expressão da verdade, e precisa, justamente por isso, despir-se do atavio mendaz daquela pretensa realidade do homem civilizado" (...) "O homem só é poeta porque se vê cercado de figuras que vivem e atuam diante dele e em cujo ser mais íntimo seu olhar penetra".



Trecho de O Nascimento da Tragédia.
Pensando neste trecho:
Escrever poesia. O que está em jogo, quando a mão se prepara para rasgar o vazio? Quando as palavras se alastram no labirinto dos ouvidos e no balbuciar dos lábios, para que mais tarde, tolda o silêncio? E essa voz que ressoa do íntimo? Que voz é essa que se desprega? Que promove o próprio som? E assim, a tinta risca o risco desta estranha invocação...
Gabriel Nogueira Ferreira

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Lord Byron



"Há um tal prazer nos bosques inexplorados;
Há uma tal beleza na solitária praia;
Há uma sociedade que ninguém invade,
perto do mar profundo
e da música do seu bramir:
Não que ame menos o homem,
mas amo mais a Natureza".